Sul: Episódio #11
Regressar à Estrada Nacional 2 é constatar que há sentimentos que não se esgotam: esta vontade de avançar, de explorar e de usufruir do melhor que o interior de Portugal tem para nos dar, em toda a sua diversidade e autenticidade. Prontos para iniciar o décimo primeiro episódio do programa Nacional 2 – Mais do que uma estrada, ainda temos muito à nossa espera: Ferreira do Alentejo, Aljustrel, Castro Verde e Almodôvar. Não perca pitada.
Publicado em 05 de Outubro de 2022 em 08:00 | Por Cofina Boost Content
Em bom alentejano, agarrámos nos quatro arráteis e fizemo-nos ao primeiro destino.
Ferreira do Alentejo (ao quilómetro 595) recebe quem por lá passa com a calma alentejana, o seu rico património e, claro, o delicioso pão da região. Aqui, onde a planície começa a ganhar sinuosidade e a crescer em altitude, túneis de pinheiros dão as boas-vindas aos viajantes. Mas no caminho para Ferreira do Alentejo, decidimos parar na praia fluvial da barragem de Odivelas, com zonas de recreio e lazer enquadradas numa paisagem digna de admiração.
A ocupação humana de Ferreira do Alentejo é muito antiga e testemunhada pelo enorme espólio arqueológico com vestígios do período Calcolítico, das ocupações visigótica, romana e árabe. Depois da Reconquista Cristã, em 1233, passou a pertencer à Ordem de Santiago.
Do património edificado, a Capela do Calvário é a imagem de marca desta terra e exemplar único no país: de arquitetura arrojada, a cúpula com pequenas pedras negras remete para o Calvário de Cristo.
Também não vai querer perder a Igreja de Nossa Senhora da Conceição, cuja imagem da padroeira terá acompanhado Vasco da Gama no caminho marítimo para a Índia, a Igreja da Misericórdia com o seu bonito pórtico manuelino e a barroca Igreja Matriz.
Estátuas há muitas, em Ferreira do Alentejo, mas a da “Ferreira” – que remete para uma lenda do século V, segundo a qual a esposa de um ferreiro terá defendido a região de uma invasão bárbara – é lendária, literalmente. E para ficar a conhecer melhor o modo de vida, do sentir e do estar das gentes desta belíssima localidade, nada melhor do que visitar o Museu Municipal, inaugurado em 2004. Antes de chegar ao próximo destino, passámos por Alfundão – uma das mais antigas freguesias do Alentejo – onde continua a reinar soberana a antiga Ponte Romana.
Seguindo a rota da Nacional 2 rumo a Faro, prosseguimos a travessia alentejana, cuja área corresponde a cerca de um terço do país.
O município de Aljustrel, ao quilómetro 618, situa-se em pleno Baixo Alentejo e é fortemente marcado pela interioridade. Designado por muitos como o “vale encantado”, deslumbra pela vastidão dos campos e a imensidão das planícies. Fascina pelas ruas da vila, pelos espaços ajardinados e pelos detalhes, como as chaminés, as portas ou as janelas.
Considerado uma das povoações mais antigas de Portugal, Aljustrel é conhecido pelas jazidas minerais e pela atividade mineira, que moldou os hábitos e tradições das suas gentes. Se os dados arqueológicos indiciam que a exploração do minério possa ter começado cerca de 3000 anos a.C., o certo é que só a partir da ocupação romana houve uma exploração em larga escala.
Hoje, além das instalações desativadas que pode visitar, a exposição permanente do Museu Municipal conta a história da mineração em Aljustrel.
Aproveitando para contemplar paisagens de cortar a respiração, espreitámos a Ermida de Santa Maria do Castelo, tão ligada à fé das populações do concelho. Edificada no local do antigo castelo de Aljustrel, que remonta à época da ocupação árabe, ainda existe uma pedra da sua construção original. Reza a lenda que, se a pedra for retirada da igreja, o mar entrará pela terra e inundará a vila. E que se lhe encostar o ouvido pode ouvir o som do mar. Se é assim ou não, eis a questão.
Certo é que do Miradouro da Ermida de Santa Maria do Castelo alcança uma incrível panorâmica de toda a vila de Aljustrel, do marco geodésico, dos antigos moinhos de vento, da praça de touros e do complexo mineiro.
Já nas ruas da vila não faltam encantadores recantos, um jardim público para repousar ou as piscinas municipais se precisar de se refrescar.
Cante alentejano, único no mundo Como Alentejo não é Alentejo sem o cante alentejano, tivemos o privilégio de assistir a uma emocionante performance do primeiro grupo de mulheres constituído após o 25 de Abril: o Grupo Coral de Ervidel, Flores da Primavera. Cantado em coro e sem recurso a instrumentos musicais, o cante alentejano é muito mais do que uma expressão meramente musical; é, tal como refere o músico Paulo Ribeiro, “um traço da identidade do povo alentejano”. “O cante é dos homens e das mulheres e, neste momento, também da humanidade, desde que foi classificado pela UNESCO, em 2014, como Património Cultural e Imaterial da Humanidade.”
Supostamente edificado sobre um castro lusitano, foi denominado Castrum Veteris pelos romanos.
Rodeado de extensas planícies – denominadas “Campo Branco” – o concelho de Castro Verde chega ao quilómetro 640. Castro Verde é, desde 2017, Reserva da Biosfera pela UNESCO. Esta zona protegida onde vivem inúmeras espécies de animais, algumas das quais entre as mais ameaçadas na Europa, é o paraíso para os apaixonados pelo birdwatching.
Aqui, o sagrado tem um tempo de culto imemorial, bem patente nas ermidas, capelas, igrejas e pequenos templos. Pode começar pela Igreja de Nossa Senhora dos Remédios para terminar em grande, com a Basílica Real, referência na silhueta urbana. Projetada pelo arquiteto João Nunes, tem nos azulejos setecentistas a história de um dos mais importantes acontecimentos históricos nacionais: a Batalha de Ourique, em 1139. Dentro da igreja pode visitar o Tesouro da Basílica Real e o núcleo museológico de arte sacra. Aproveite para ir ao miradouro da Basílica, de onde se pode avistar a imperturbada paisagem alentejana.
A cereja no topo do bolo é deambular pelas ruas de Castro Verde. Vimos os Paços do Concelho, o Padrão (monumento evocativo da Batalha de Ourique), passeámos pelo bonito jardim da cidade e visitámos o Museu da Lucerna, que oferece uma coleção única de lucernas da época romana, datadas do século I ao século III d.C.
No final, tomados pelo aprazimento, (re)confirmámos que, no Alentejo, o tempo tem mesmo mais tempo.
À medida que caminhamos para sul, o concelho de Almodôvar marca a transição entre a planície alentejana e o Algarve.
Próximo de Beja, ao quilómetro 661 da Nacional 2, a vila tem um charme todo seu. Pacata, tradicional e marcadamente agrícola, tem história para contar. São muitos os pontos de interesse, desde a imponente Igreja Matriz de Santo Ildefonso, exemplo elaborado da “igreja-salão” rica em detalhes, passando pela Igreja da Misericórdia,até ao Convento da Nossa Senhora da Conceição, cujos altares em talha dourada, quadros e pintura no teto da capela-mor são dignos de nota.
De arquitetura popular, vernácula e barroca, não quisemos perder a Ermida de Santo Amaro, num dos pontos mais altos da vila, nem a Ermida de Santo António, que ainda guarda no seu interior restos de frescos alusivos à vida do santo que lhe deu o nome.
Numa vila que continua a ser terra de sapateiros e correeiros, há que admirar as peculiares esculturas do Sapateiro, do Mineiro e do Bombeiro, feitas por Aureliano Aguiar e concebidas como homenagem a ofícios que tanto marcaram os almodovarenses.
Quando o estômago começar a dar horas, é ir ao Mercado Municipal para apreciar uma construção em art déco e saborear as iguarias típicas.
Não podíamos deixar o município sem admirar a incontornável Ponte Medieval sobre a Ribeira de Cobres, sem apreciar o Pólo Museológico Cândido Guerreiro e Condes de Alte e, sobretudo, sem visitar o tesouro único que encerra o Museu da Escrita do Sudoeste de Almodôvar. Trata-se da escrita cónia, a mais antiga grafia da Península Ibérica, usada pelos povos que habitavam este território há mais de 2500 anos.
Num ponto fronteiriço entre o barrocal algarvio e as planícies do Baixo Alentejo, somos surpreendidos pela rara beleza que nos é oferecida do Miradouro do Caldeirão.
Prosseguindo mais um pouco, já em direção ao Algarve, eis que surge a pitoresca aldeia de Alte, que continua a resistir ao desenfreado turismo algarvio.
Aproveitamos para relaxar junto das Fontes de Alte, um dos lugares mais aprazíveis da região, onde as águas cristalinas da ribeira são circundadas por uma linda zona arborizada. Se procura paz de espírito, aqui encontra-a certamente. Esta rota tem o poder de criar laços: entre territórios, entre tradições, entre o viajante e cada localidade por onde passa.
No último episódio do programa Nacional 2 – Mais do que uma estrada, partimos à descoberta de Loulé, São Brás de Alportel e, finalmente, cortamos a meta em Faro. Até já.