Centro: Episódio #8
De volta ao programa Nacional 2 - Mais do que uma estrada, continuamos a ver um Portugal menos (re)conhecido a passar-nos diante dos olhos. Percorrê-la não tem de ser uma corrida. Ao longo de 12 episódios, trilhar esta estrada é, por si só, um apelo à curiosidade e à calma. Muito mais do que cidades e aldeias, existe um imenso património natural, cultural, gastronómico. E há as tradições únicas e o calor das gentes, de norte a sul do País. No oitavo episódio desta aventura, partimos à descoberta de Sardoal e de Abrantes. Na sua companhia, como sempre.
Publicado em 14 de Setembro de 2022 em 09:00 | Por Cofina Boost Content
O ponto de partida deste episódio é o bonito concelho do Sardoal, ao quilómetro 386. Esta preciosidade escondida na região do Médio Tejo não é grande nem densamente populada.
O seu tamanho mede-se, porém, pelo rico património, do qual nos falou o seu presidente da câmara, António Borges:
"Um conselho rico no património não só cultural, mas um património no âmbito da fé e da religiosidade. (...) Sardoal também tem um património no âmbito da gastronomia e dos vinhos. (...) convido-vos a passar por cá."
Um jardim no interior do País plantado
Fruto da confluência entre o Ribatejo, Alentejo e Beira Baixa, o Sardoal tem uma identidade muito própria. Carinhosamente conhecido como “Vila Jardim”, tanto o branco casario com umbrais pintados e flores coloridas como as ruas calcetadas com seixos vindos do rio compõem um plano arquitetónico perfeitamente integrado na natureza envolvente.
Uma história que vem de longe
Enquanto povoação, o Sardoal é antiquíssimo, e têm vindo a ser encontrados vestígios da ocupação humana desde tempos muito remotos. Também dos romanos ficaram alguns sinais, como o troço da calçada romana que por aqui passa.
Ao invés de outras terras que cresceram ao redor de um castelo ou de uma fortificação, a vila de Sardoal cresceu a partir de baixo (da confluência das ribeiras) para cima. No ponto mais elevado, encontramos o altivo Convento de Santa Maria da Caridade (1571), dono de uma vasta riqueza cultural da comunidade franciscana que ali viveu durante séculos e de um espantoso conjunto pictórico proveniente de Nagasaki.
Na galilé do convento, visitámos a Capela do Senhor dos Remédios (ao qual os sardoalenses são muito devotos) e todas as atenções se voltaram para o silhar de azulejos azuis e brancos (século XVIII) com quatro painéis representativos dos Passos de Cristo.
As três igrejas e sete capelas no centro histórico da vila, todas elas de uma beleza fantástica, são guardiãs de tesouros nacionais de arte sacra. Destaque para a Igreja Matriz, também conhecida como Igreja Paroquial de São Tiago e São Mateus, um templo quinhentista de três naves, no qual fomos encontrar o ex-líbris da vila: as sete tábuas do Mestre do Sardoal.
As tradições estão bem vivas
As celebrações da Semana Santa e da Páscoa são imperdíveis. Nessa altura, o Sardoal enche-se de gente, procissões e tapetes de flores estendidos nas capelas. Para que a memória não nos atraiçoe, este evento já ficou marcado nas nossas agendas.
A tradição, a memória e o passado glorioso de Abrantes convivem harmoniosamente com o progresso e o futuro. Banhada pelo rio Tejo e pela albufeira de Castelo de Bode, não faltam argumentos para a visitar.
Natureza e lazer
A beleza da paisagem natural também pode ser admirada através dos diversos percursos pedestres e dos desportos de natureza que o município oferece.
Para dar uns mergulhos, fazer um piquenique ou desfrutar da sombra, nada como a Praia da Lapa, embalada pelo som da água da cascata. Aproveitamos para observar, na margem da ribeira, uma antiga capela em que se venerava a imagem da Senhora da Lapa.
A arte de bem comer, e bem beber
Boa comida e doces tradicionais não faltam. Mas esta região, graças ao microclima quente e ensolarado, destaca-se pela produção de vinhos de alta qualidade, suaves e frutados. A moderna Quinta do Vale do Armo foi paragem obrigatória, e Tiago Alves foi o nosso anfitrião numa fantástica visita guiada.
“Tudo como dantes, quartel-general em Abrantes”
Apesar de a sua história estar associada a uma lenda encantada, a origem de Abrantes é militar e resultou da necessidade de defesa dos territórios conquistados aos mouros. Ao longo dos séculos, foram vários os episódios que gravaram o seu nome na história de Portugal: em 1385, D. João I e D. Nuno Álvares Pereira estiveram aqui antes da batalha de Aljubarrota. Mais tarde, a vila foi ocupada pelas tropas francesas comandadas por Junot, altura em que terá ficado conhecida a senha militar “Tudo como dantes, quartel-general em Abrantes!” Não podemos visitar Abrantes e ignorar a ponte ferroviária metálica que cruza o Tejo, uma obra de arte a céu aberto.
Ao chegar (quilómetro 402), somos saudados pelo altaneiro Castelo Fortaleza que, ainda hoje, continua a vigiar a cidade. Da Torre de Menagem, avista-se uma rara panorâmica de 360 graus ao longo de um infinito horizonte que cobre terras do Ribatejo, do Alentejo e da Beira Baixa. A vista também pode ser desfrutada no relaxante, heterogéneo e florido Jardim do Castelo. E deixámo-nos embalar pela paisagem no Baloiço de Abrantes que ali foi colocado. No interior das muralhas, não perdemos a lendária Igreja de Santa Maria do Castelo, onde se encontra uma joia singular de arte tumular em estilo gótico: o Panteão dos Almeida.
Descobrir Abrantes pelo palato
Na Casa Chef Victor Felisberto, provámos o melhor que a gastronomia da região tem para oferecer. Fomos recebidos pela simpatia do chef, neste elegantíssimo restaurante onde não há detalhes deixados ao acaso. As salas amplas, luminosas e impecavelmente preparadas – além de um requintado espaço privado – prometem momentos especiais a todos os comensais. O vinho de assinatura do próprio chef acompanhou os pratos divinais, cozinhados em forno de lenha: tigelada de carpa com lagostins do rio, cachaço de porco preto e perdiz à moda de Alferrarede. As sobremesas? Sublimes. Se houve pecado da gula, expiámo-lo logo a seguir.
Centro da cidade. História, arte e modernidade de mãos dadas
Bem “almoçados”, abrimos caminho rumo à Igreja de São Vicente, monumento nacional, cujo interior guarda um precioso espólio de arte sacra.
Passámos pelo pórtico sobrevivente da Igreja de Nossa Senhora da Esperança e pela fachada decorada com painel de azulejo setecentista da Capela de Sant’Ana, apreciando o casario e os palacetes, as praças graciosas, a arte na rua e a cordialidade dos locais.
Fomos ao Antigo Convento de São Domingos (albergo da Biblioteca António Botto), às Igrejas da Misericórdia e de São João Batista, e não perdemos a oportunidade de visitar o MIAA – Museu Ibérico de Arqueologia e Arte de Abrantes. Neste museu com linhas arquitetónicas modernas, resultado do excelente trabalho do arquiteto Carrilho da Graça, o visitante pode percorrer várias épocas históricas da região, desde a Pré-História, Idade do Bronze e do Ferro, até à era romana e à arte da Idade Média e do Renascimento.
Abrantes é viver o lazer
Um roteiro para visitar esta cidade não ficaria completo sem um passeio no Aquapolis, um espaço de desporto, entretenimento e lazer, onde o Tejo se funde com a própria cidade.
Além dos trilhos pedestres de pequena e grande rota presentes na região, as praias fluviais, com uma envolvente paisagística de sonho, são um chamariz nos dias quentes. É o caso da Praia Fluvial de Aldeia do Mato e da Praia Fluvial de Fontes.
Terminar em beleza, de novo à mesa
O pôr do sol anunciava que o fim desta etapa estava quase no fim. Quase. Porque enveredámos noutra aventura gastronómica, desta vez no Restaurante Típico Cascata. Nesta casa que conta 39 anos, fomos recebidos por Fernanda e Carla Martins. Representantes da gastronomia regional e tradicional no concelho de Abrantes, as orgulhosas anfitriãs não esconderam o privilégio que sentem pelo facto de estarem inseridas numa confluência gastronómica de três regiões: Ribatejo, Beira Baixa e Alentejo. Para os comensais, o cardápio soma iguarias de qualidade. Além do prato exclusivo e premiado – achigã do rio Tejo com migas da “Mãe” – não faltam os regionais maranhos ou o bucho recheado e miolada. E para adoçar o final, nem é preciso dizer que a dieta foi para as urtigas, mas por boas causas: palha de Abrantes de vários tipos e a clássica tigelada.
Ultrapassada a barreira dos 400 quilómetros, e 22 carimbos no Passaporte da Nacional 2 depois, levamos inesquecíveis memórias do Norte e do centro do País. Mas quanto mais se conhece do interior de Portugal, mais há para descobrir. No próximo episódio acompanhe-nos até terras alentejanas: Ponte de Sor, Avis, Mora e Coruche. Até lá!